O capitalismo vive de manipular a nossa percepção do risco. Em particular, foi bem sucedido em vender a ideia de que parar, de pausar para refletir sobre os riscos inerentes ou alternativas ao próprio capitalismo, é o risco por excelência, aquele que em nenhum caso valia a pena correr.
Os cientistas do clima descobriram que o apocalipse anunciado não bastou para convencer o capitalismo a essa pausa para reflexão. O leviatã do capital, o corpanzil coberto de coaches e de consultores de investimento, não quis parar para ver que caminhava em direção ao abismo. Mesmo diante da emergência climática, o dogma de que pausar o mercado é em si o maior risco de todos bastou para diluir e manipular a percepção popular do risco. Não bastou que os cientistas trouxessem à luz o grande spoiler dos monges trapistas, “ricordati che devi morire“.
Para continuar a rodar, o capitalismo não pode admitir pausas para reflexão. Você como indivíduo deve acreditar que não pode se permitir qualquer pausa para quem sabe mudar de vida, e o mercado como um todo deve parecer como a vontade divina impossível de ser contido ou alterado.
Que o novo coronavírus com sua deselegante mensagem trapista tenha conseguido burlar os mecanismos de segurança da máquina e alterar desse modo a percepção popular do risco – de modo a colocar em pausa o próprio mercado – parece ser, e talvez seja, um pequeno e terrível milagre.
Aqui jaz o leviatã, aqui está a pausa para a reflexão, aqui está o spoiler trapista da inevitabilidade da morte.
O futuro se lembrará das consequências desta pausa tanto quanto das mortes que custou. Incrivelmente, cabe a nós dar ao futuro aquilo que de nós vai se recordar.