um menino, meu consagrado, um nenezinho. Não me venha falar logo hoje de um Deus que não tenha no mínimo arrotado azedo depois de mamar no peito. Acima de tudo não se finja você de homem adulto, não se faça de grande devoto do Deus-guri, se não pinta o mundo como ele pintou: como um lugar de abundância.

Se te chamam de fascista é porque você insiste em pintar o mundo como um lugar de escassez: um mundo perigoso e terrível em que se o cabra não garantir o seu os mal-intencionados chegam, defraudam, hackeiam e roubam. Se te chamam de fascista é porque você se borra de medo de perder os seus privilégios, quando o Deus-guri nasceu frágil e sem recursos, e na vida usou os recursos que tinha pra melhorar a vida dos necessitados e não a sua própria, que é pra você aprender o que de fato contabiliza.

Porque isso sim: o Deus-guri virou um homem que você conhecendo iria declarar um marginal, um perigo para a sociedade e um obstáculo ao desenvolvimento. O Deus-guri do seu Natal porta da frente cresceu e virou Deus-índio, sendo que índio é a pessoa que o sistema considera uma ameaça porque se recusa a acumular.

Mente, veio dizendo o Deus-índio, quem diz não ver que este mundo é um lugar de abundância. Mente, dizia o Deus-índio, o homem rico que levanta condomínios, polícias e exércitos dizendo querer se proteger dos mal-intencionados. Mal-intencionado é quem acumula, porque os males deste século nascem todos da ânsia de acumular, não da disposição a compartilhar.

O que incomoda no índio brasileiro, o que incomodava também no Deus-índio galileu, é que no simples ato de existir ele propõe um outro modo de vida possível e uma leitura radicalmente diferente do mundo. A vida inteira do índio, como aquela do Deus-índio, acaba que te diz: e se neste mundo é de fato possível viver com integridade e com inteireza sem acumular? E se os medos e desejos que pinto como grandes e fundamentais existem só para me condicionar? E se todas as polícias nascem dos temores mais infantis? E se o meu mundo fosse um lugar de abundância a se repartir em vez de um lugar de escassez a se proteger? E se eu virasse índio hoje mesmo, feito Jesus?

O sistema deste mundo não tolera indisciplinas dessa natureza e reflexões desse naipe. Para continuar a girar o moedor de carne precisa que todos pintem o mundo como um lugar horrível e cheio de predadores, um mundo em que a salvação está em competir selvagemente, em proteger-se acumulando e em pagar perpetuamente a proteção do acumulado. Não podem existir exceções e não podem existir outros modelos.

É por isso, fique claro, que homens covardes silenciaram o Deus-índio cravado naquela árvore, e é por isso que homens covardes estão silenciando os índios no Brasil de Bolsonaro. Menos pelo que índios e homens-deuses podem dizer com palavras, e mais pela ameaça que representam para o sistema no simples ato de viverem de um outro modo, pintando o mundo com outras cores e enchendo o ar de novas possibilidades.

O sangue do Deus-índio que escorre daquela árvore, meu consagrado, o sangue daquele guri. O mundo que ele desenhou você morre de medo que venha a nascer.

Posted by:Paulo Brabo

@saobrabo ◂ Escrevo livros, faço desenhos e desenho letras